quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Lado BOM da Crise

Fica difícil ver virtudes numa crise, financeira, económica, social e de valores como aquela que penosamente atravessamos. Apetece dizer que é como as bruxas: «Ninguém as vê, mas que as há, lá isso há!».

As pessoas estão mais fragilizadas e expostas a dificuldades e, no fim das contas, acabam por ser mais humildes, genuínas, trabalhadoras, e, sobretudo mais unidas e solidárias. Dá-se mais valor às pequenas coisas da vida, e, sobretudo, dá-se mais valor ao «ser» do que ao «ter».

O valor da família tão tido como um valor do passado está de volta: casais de meia-idade apoiam os idosos que não podem pagar as rendas que têm sido atualizadas e/ou que tiveram cortes nas reformas, e milhares de reformados apoiam os filhos e netos em dificuldades (desempregados ou não). A unidade familiar tem sido reforçada e o movimento intergeracional de solidariedade que se organizou mostrou que ainda partilhamos grandes virtudes com o Portugal dos anos 70 do século XX, que conseguiu receber perto de um milhão de retornados durante o movimento de descolonização da África Portuguesa.
Os empresários perceberam que não podem estar à espera do Estado ou da procura interna e começaram efetivamente a mexer-se no mercado das exportações e da internacionalização.

A «geração à rasca», a mais mimada e consumista e a que lutou menos para ter acesso a todas as comodidades de que beneficia, que é também a mais formada de sempre viu as suas expectativas de futuro goradas, mas não desistiu: uns emigraram, outros ficaram, mas poucos esqueceram Portugal e contribuem ativamente para um futuro melhor do país. Oxalá se criem condições para muitos regressarem - assim eles queiram.

Não queiramos ser irlandeses, alemães, franceses ou nórdicos. Temos uma cultura de muitos séculos alicerçada em profundos sentimentos de humanidade para com o próximo - fomos os primeiros a abolir a «Pena de Morte» e abolimos a escravatura mais de um século antes dos EUA. Sejamos Portugal, sejamos portugueses! Já cantava Amália no século XX:

Lisboa não sejas francesa
Com toda a certeza
Não vais ser feliz
(...)
Lisboa, não sejas francesa
Tu és portuguesa
Tu és só para nós

Ainda a propósito, apraz-me citar um excerto d'«A Casa Portuguesa»:

A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente!

Importa por fim referir que não defendo a resignação à pobreza, senão a adesão à realidade e fazer-nos refletir sobre as virtudes da crise para que possamos fazer delas força para vencer as presentes dificuldades.

Despeço-me com amizade.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Ideias Subversivas: Velhos do Restelo

A maneira de fazer política está velha. Todos o dizem mas todos o praticam. Chegámos ao século XXI e muito provavelmente os meios de comunicação mudaram muito mais na última década do que nos 40 anos anteriores. Contudo, quando vemos os políticos a fazer política lembramo-nos da velha expressão: “Parecem os velhos do Restelo”. Ora,
  • Colocam cartazes com frases de três palavras que tentam convencer uma população de que têm a melhor estratégia para a sua aldeia. 
  • Tiram uma fotografia com uma superstar-política para parecerem mais importantes e que têm influências suficientes para levar as suas pretenções o mais avante.
  • Correm as ruas da sua aldeia em carros com megafones a emitir sons impercetíveis num claro desrespeito pela lei do ruido.
  • Entregam panfletos nos quais não apresentam propostas fundamentadas e estratégias, mas sim os desejos de qualquer cidadão com dois dedos de testa.
  • As supostas propostas são iguais para todos os partidos e os quais se resumem a: proteger os idosos (porque são a maioria da população neste momento), tapar os buracos da estrada, pintar as passadeiras entre outras ideias (talvez esteja a ser simpático utilizar a palavra “ideia”) que nem sequer deviam ser sugeridas porque fazem parte de qualquer autarca em funções.
Chegamos então ao ponto em que vivemos no século XXI em que os portugueses estão cansados dos partidos políticos e por mera culpa destes. Estão velhos, estragados, sem ideias. Continuam a prometer o que sabem que nunca vão cumprir. Continuam a pensar que os cidadãos vivem no mesmo séculos que eles. Estão errados.

Talvez uma nova maneira de fazer política esteja a chegar. Tem de chegar. Rui Moreira ganhou no Porto. Será diferente? Será desta a mudança? Logo se verá. Talvez ainda venha outra. Senão os votos nulos, brancos e abstenção vão continuar a bater recordes como aconteceu este ano.
 
Dinis Lopes
 
 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Os 4% de défice e a Alternativa

Porquê mais cortes?

Cortar os 4 mil milhões de euros que o triunvirato parece exigir para o ano e o Governo parece querer, faz-nos crer que querem matar a retoma económica antes mesmo dela nascer. Parece hediondo, inaceitável, injusto e incompreensível. Parece, e é! Mas afinal, porquê mais austeridade!?
A resposta é paradoxalmente simples: o Estado ainda não cortou o suficiente. Em 2011, gastava anualmente cerca de 20 mil milhões de euros a mais do que recolhia em impostos. Hoje, esse número cifra-se ainda acima dos 7 mil milhões de euros.
Aumentaram-se impostos, cortaram-se salários, reduziram-se despesas sociais num momento económico dramático. Os portugueses aceitaram de forma quase incrível, a economia ajustou-se de modo exemplar em dois anos com um excedente na balança externa como não se via há mais de 60 anos, com os resultados das exportações a superar as melhores expetativas e o fim da recessão a chegar. Conseguimos dar a volta e o Estado ... continua a arrastar-nos para o fundo. O Governo empurrou com a barriga para a frente, e agora que se lembrou - ou lhe impuseram lembrar-se - a Constituição não o permite reformar (e ainda bem, dirão alguns!). Em suma, o Governo falhou no mais importante - a gestão de expectativas dos cidadãos.

Défice de 4%:

Alvitra-se que o défice orçamental de 4% no próximo ano é muito exigente e inatingível, mas o triunvirato parece não querer saber e manter a sua exigência.
Há erros do Programa de Ajustamento? Há. Há uma gestão punitiva e insensível no seio da UE e encabeçada pela Alemanha? Há. Há imoralidade e especulação dos mercados financeiros? Há. Tudo isto é verdade, mas de pouco ou nada nos serve discutir estes assuntos, como ainda nesta 2ª feira afirmava o Prof. João César das Neves na televisão. Nada disto depende de nós.
Preocupemo-nos com o que está ao nosso alcance e discutamos aquilo em que podemos efetivamente intervir. Olhemos para as rendas do setor energético, denunciemos as parcerias público-privadas e as rendas obscenas que garantem aos privados, forcemos a banca nacional a financiar a economia a juros aceitáveis (uma vez que é financiada pelo BCE a juros baixos) e lutemos junto do BCE para que os critérios para os rácios de capital dos nossos bancos não sejam mais exigentes do que os demais. Trabalhemos por ir buscar todo o dinheiro da grande fraude do BPN e afins, (só com o dinheiro do BPN, se se verificarem as piores expectativas, pagavam-se 2 aeroportos novos em Alcochete!). Procuremos julgar os ex-governantes responsáveis pela atual situação por «gestão danosa». Os crimes julgam-se no banco dos réus e não nas eleições. O que fizeram ao país nos últimos 20 anos é, em muitos casos, crime.


Há Alternativas

Não pagar parece uma solução fácil, seria um défice orçamental de 0% já no próximo ano, ou seja, um corte superior a 7 mil milhões de euros - que nem seria o pior, já que não teríamos encargos com a dívida - mas que seria seguido da saída do Euro - que o Prof. João Ferreira do Amaral advoga há já dois anos ser a única solução para a nossa economia moribunda - uma provável saída da UE, com perda de fundos estruturais e de incontáveis perdas económicas, e ainda, incalculáveis danos para a imagem externa de Portugal - do Estado, das empresas e das famílias por tempo indeterminado.
E isto tudo, numa economia que desde há muitos séculos - está no nosso ADN - se habituou a depender do exterior, primeiro das conquistas territoriais na península, a seguir das colónias ultramarinas, depois da Comunidade Económica Europeia e, mais recentemente, da União Europeia e do endividamento externo (A Dama de Ferro não errou, em 2009, quando nos alertou!). O povo não quis ouvir, e o senhor cujo nome não merece ser referido, continuou a liderar a nossa marcha triunfal rumo ao precipício.

A situação é séria e TODAS as alternativas devem ser discutidas e colocadas sobre a mesa, mas é preciso entende-las muito bem e explicá-las ainda melhor. Se não conseguirmos encontrar soluções abrangentes e se os partidos, patrões e sindicatos continuarem a brincar às democracias, que ninguém se admire se aparecer aí - perdoem-me o pleonasmo - um novo «Estado Novo». 

Vamos dar as mãos, compreender que todos temos muito a perder se as coisas correrem mal, e procurar mandatar alguém para nos representar, cá dentro e lá fora, que, por uma vez, possa corporizar a força de uma nação e dar significado aos versos de Fernando Pessoa n'«O Mostrengo»:

  "(...) Aqui do leme sou mais do que eu; 
Sou um Povo que quer o mar que é teu (...)".