Fica difícil ver virtudes numa crise, financeira, económica, social e de valores como aquela que penosamente atravessamos. Apetece dizer que é como as bruxas: «Ninguém as vê, mas que as há, lá isso há!».
As pessoas estão mais fragilizadas e expostas a dificuldades e, no fim das contas, acabam por ser mais humildes, genuínas, trabalhadoras, e, sobretudo mais unidas e solidárias. Dá-se mais valor às pequenas coisas da vida, e, sobretudo, dá-se mais valor ao «ser» do que ao «ter».
O valor da família tão tido como um valor do passado está de volta: casais de meia-idade apoiam os idosos que não podem pagar as rendas que têm sido atualizadas e/ou que tiveram cortes nas reformas, e milhares de reformados apoiam os filhos e netos em dificuldades (desempregados ou não). A unidade familiar tem sido reforçada e o movimento intergeracional de solidariedade que se organizou mostrou que ainda partilhamos grandes virtudes com o Portugal dos anos 70 do século XX, que conseguiu receber perto de um milhão de retornados durante o movimento de descolonização da África Portuguesa.
Os empresários perceberam que não podem estar à espera do Estado ou da procura interna e começaram efetivamente a mexer-se no mercado das exportações e da internacionalização.
A «geração à rasca», a mais mimada e consumista e a que lutou menos para ter acesso a todas as comodidades de que beneficia, que é também a mais formada de sempre viu as suas expectativas de futuro goradas, mas não desistiu: uns emigraram, outros ficaram, mas poucos esqueceram Portugal e contribuem ativamente para um futuro melhor do país. Oxalá se criem condições para muitos regressarem - assim eles queiram.
Não queiramos ser irlandeses, alemães, franceses ou nórdicos. Temos uma cultura de muitos séculos alicerçada em profundos sentimentos de humanidade para com o próximo - fomos os primeiros a abolir a «Pena de Morte» e abolimos a escravatura mais de um século antes dos EUA. Sejamos Portugal, sejamos portugueses! Já cantava Amália no século XX:
Lisboa não sejas francesa
Com toda a certeza
Não vais ser feliz
(...)
Lisboa, não sejas francesa
Tu és portuguesa
Tu és só para nós
Ainda a propósito, apraz-me citar um excerto d'«A Casa Portuguesa»:
A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente!
Importa por fim referir que não defendo a resignação à pobreza, senão a adesão à realidade e fazer-nos refletir sobre as virtudes da crise para que possamos fazer delas força para vencer as presentes dificuldades.
Despeço-me com amizade.